A semente da missão
A ideia nasceu de forma simples: devolver, dar, partilhar. Levar a Cabo Verde um gesto de gratidão com significado.
Pessoalmente, era também uma forma de me reencontrar com as raízes do meu pai, com o passado e com aquilo que me moldou, mesmo à distância.
Com o apoio de várias pessoas e entidades, organizei uma pequena expedição de donativos úteis e humanos. Em poucos dias reunimos:
- Bicicletas para mobilidade e prática desportiva
- Botas antifogo e calças resistentes para os bombeiros
- Lápis e materiais escolares para crianças
- Meias de desporto e fotografias autografadas
Chegada a Assomada: humildade, dignidade e verdade
O primeiro impacto ao chegar foi o sorriso das pessoas. Não havia filtros nem disfarces. Havia verdade.
A missão foi coordenada com a Câmara Municipal de Santa Catarina, que nos recebeu com portas abertas. Fomos ao encontro de escolas, serviços de proteção civil e comunidades locais.
Rapidamente percebi que mais do que os bens, era a intenção que contava. O facto de alguém vir de fora para dizer “importas” faz toda a diferença.
As bicicletas que mudam rotinas
As bicicletas entregues não são apenas objetos. São veículos de esperança.
Servem para ir à escola, para chegar ao treino, para explorar, para sonhar. Cada bicicleta dada a experimentar as crianças foram recebidas com um brilho nos olhos, difícil de explicar.
Equipar quem protege
Os bombeiros voluntários de Santa Catarina enfrentam desafios diários com poucos recursos. As botas e calças entregues foram recebidas com gratidão genuína.
Foi simbólico: reconhecer quem cuida e proteger quem protege.
Escolas, lápis e sonhos
Estivemos em várias escolas da região, entregando lápis e pequenos materiais. Parece pouco, mas para muitas crianças, é sinal de que alguém acredita nelas.
Também distribuímos fotografias autografadas uma forma de dizer: “tu também podes chegar lá”.
O momento mais íntimo: Ribeirão Manuel
Foi ali que tudo se tornou pessoal. Fui até Ribeirão Manuel, uma pequena aldeia que carrega nas suas pedras e rostos uma história rica — incluindo a chamada “revolução das mulheres”, um momento de resistência feminina em busca de dignidade e igualdade.
Ali está a escola onde o meu pai aprendeu a escrever. Ali nasceu, de forma espontânea e simbólica, o primeiro “Bike-Day” demonstração do objetivo do projeto com as bicicletas.
Um dia simples, mas com enorme significado: experimentar as bicicletas e capacetes
As crianças, muitas descalças, montaram as bicicletas com alegria pura. Pedalaram com entusiasmo. Riram. Sentiram liberdade.
Mais do que um gesto, foi o início de algo maior. Uma semente de futuro. De desporto. De possibilidades.
Ali, longe das câmaras, senti-me perto de mim mesmo. Foi a minha forma de dizer “obrigado” a quem me transmitiu valores, mesmo ausente fisicamente.
Ribeirão Manuel – A Revolta das Mulheres (1910)
Em 12 de novembro de 1910, ocorreu em Ribeirão Manuel uma das mais emblemáticas revoltas populares da história de Cabo Verde, liderada por Ana da Veiga (Nhanha Bomgolom).
As mulheres da comunidade revoltaram-se contra as injustiças impostas pelos grandes proprietários de terra, recusando pagar rendas abusivas. A repressão levou à prisão de várias mulheres, mas a comunidade mobilizou-se em peso para as libertar.
Marcharam até Cruz Grande com ferramentas e palavras de igualdade. O movimento teve sucesso e libertou as prisioneiras, marcando para sempre a história da região.
Hoje, um monumento na Praça Ana da Veiga lembra essa coragem. É símbolo de união e resistência.
O que levo comigo?
Levo abraços. Levo histórias. Levo a certeza de que a missão foi cumprida — mas também a noção de que há tanto por fazer.
Voltei diferente. Mais consciente. Mais grato. E com a convicção de que fazer o bem com autenticidade é o caminho certo.